Maria Judite de Carvalho: uma obra de matéria viva
Résumé
Maria Judite de Carvalho é certamente uma das autoras mais secretas da literatura portuguesa contemporânea e talvez por isso mesmo uma das menos estudadas, ainda que esta tendência comece a inverter-se. Testemunho disso são alguns trabalhos académicos, nomeadamente teses de doutoramento defendidas em Portugal e no Brasil, a inclusão de um capítulo da autoria de Isabel Cristina Rodrigues dedicado à sua obra em O Cânone (2020) e a realização de colóquios ou jornadas de estudo1 que estão na origem de duas publicações reunindo um vasto conjunto de ensaios: Maria Judite de Carvalho. Une écriture en surveillé (2012) e Maria Judite de Carvalho: Palavras, Tempo, Paisagem (2015). Os participantes nestes colóquios internacionais manifestaram então a necessidade imperiosa de que fosse reeditada a totalidade da obra juditiana, pois as edições eram raras, algumas apresentando erros nos títulos ou na datação, ou encontravam-se há muito esgotadas. As Obras Completas (2018-2019)2 organizadas por Maria Isabel Tavares Rodrigues Fraga em seis volumes para as Edições Minotauro encontram-se agora à disposição dos leitores e críticos, abrindo assim novos caminhos para o seu conhecimento e estudo. A obra de Maria Judite de Carvalho nada perdeu da sua atualidade no quadro dos Estudos Literários, da História Literária, dos Estudos Comparatistas e de Género. Apesar de grande parte dela ter sido produzida durante os anos de ditadura, pontuados pela angústia, o «complexo do icebergue» (Oliveira, 1979: 181) e a falta de perspetivas, a sua escrita percuciente, atravessada por uma fina ironia, mesmo depois de 1974 não cessou de se questionar no que respeita à compreensão de si e dos outros. Nela podemos detetar uma visão desencantada do mundo e ao mesmo tempo uma hiperlucidez crítica e moderna que mostra de forma inequívoca o combate inesgotável entre o humano e todas as forças que o ameaçam. Esta escrita, matéria de tempo e de vida, erige-se contra o esquecimento, a injustiça, o silenciamento, aliando de forma indissociável rigor estético e ético.