«Ensaio para o fim dos tempos», notas e comentários a «O Tempo Indomado» de José Gil, Colóquio-Letras 208, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, setembro de 2021, pp. 215-220.
Résumé
Ensaio para o fim dos tempos 1. « Qu'est-ce que la philosophie, sinon un dialogue sur le temps, sur les traces, sur les tracés ? » 2 Em 2020, o mundo parece terse convertido num monstro de indisponibilidade com a pandemia e a falta de controlo científico, social e político sobre um vírus em mutação. A ameaça pairava anteriormente, encoberta pela aceleração descontrolada, pelo capitalismo desenfreado e pelo desequilíbrio climático. José Gil dá-nos a observar o caos, converte-nos em espetadores do mundo, contempladores das Casas do Parlamento em chamas do quadro de Turner que ilustra a capa 3. Relembra-nos que, tal como eles, estamos embarcados, somos passageiros do tempo à semelhança de Blaise Pascal, e que este incêndio é também o nosso. Neste presente, filósofo e homem comum partilham a mesma condição: situam-se «nos limites do pensamento», a bordo de um «turbilhão incessante» (p.12) que parece condenar o trabalho do filósofo a «um golpe de inutilidade» (p. 10). José Gil procura estratégias de «domesticação do tempo» (p. 12) que se adaptem ao vórtice do presente, já que todas as questões de pensamento são problemáticas de ritmo, de velocidade e de andamento, como bem salientou Patrice Loraux 4. Na introdução define-se assim uma nova missão para a filosofia que consiste em «retirar um pouco de caos e cavalgá-lo» (p. 12), desafio que a obra assumirá para si própria. Em Caos e Ritmo, José Gil havia analisado, a partir de Hesíodo, de que modo a desorganização caótica preside à ordem do mundo, e como cada temporalidade tem a sua lógica singular de circulação de forças 5. Em O Tempo Indomado buscam-se os territórios, exploram-se os perímetros e os cruzamentos do caos, articulando-o com a criação artística, e simultaneamente com a catástrofe letal. A obra apresenta essa dupla face: em anverso surge o caos sensível, criativo, associado à linguagem, à arte como movimento e como eternidade, nos pontos 1 a 3; o reverso corresponde aos escritos da pandemia agrupados no ponto 4. A reflexão assenta em momentos de ressonância do passado, de focalização num presente de impossibilidade e claustração, e de indisponibilidades futuras. 1 Paráfrase ao Quarteto para o fim dos tempos de Olivier Messiaen, escrito em 1940, no campo de concentração de Stalag VIII, na Polónia. 2 Jacques Derrida, Penser à ne pas voir. Ecrits sur les arts du visible 1979-2004, Paris, Editions de la différence, 2013, p. 81. «O que é a filosofia a não ser um diálogo sobre o tempo, sobre os traços-vestígios, sobre os traçados?». 3 The Burning of the Houses of Lords and Commons 16 October 1834 (1835), de William Turner, numa referência também simbólica no ano do Brexit.
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